Gonçalo de Castro Cavalcanti.
Durante os estudos secundários, continua a revelar aproveitamento notável. Estudava para aprender, realmente. As notas elevadas dão-lhe prazer, é verdade, mas, a seu juízo, satisfazem, mas não bastam. O que importa é recolher, efetivamente, do estudo realizado, maiores e mais aprofundados conhecimentos. Se as línguas estrangeiras põem-no em contato mais direto com outras gentes, a ciência desvenda à percepção verdades de relações até então ignoradas. Umas e outras exerciam sobre seu espírito indagador e ansioso de distender-se sempre mais, forte fascínio.
Demonstra predileções especiais pela Matemática. Entusiasma-o a lógica das deduções, dos raciocínios.
No íntimo, não pretendia encarreirar-se à Medicina, pois, ao contrario, apesar do peso dos sacrifícios feitos e a enfrentar, insistia por que ele prosseguisse no curso tão brilhantemente iniciado. Com a arrancada magnífica, tinha, como certa, a escalada triunfal.
Gonçalo Cavalcanti, mantém-se, em começo vacilante. Depois, o coração e o pensamento unidos na mesma reflexão, considera as dificuldades paternas e as próprias inclinações; medita sobre o que lhe seria, em verdade, a vocação. Deixa o caminho da glória que se lhe abre, à frente, largo e ridente, para tentar outros rumos.
Formado, regressa a Teresina. Homem da boa estatura, esbelto, bem feito de rosto e de corpo, olhos grandes, escuros e luzentes, falando com admirável dicção e fluência, gestos comedidos, trato de extrema polidez, conversa agradável e ilustrada, logo se impôs como expressão humana da alta cultura. É nomeado professor do Liceu. Escolhido para qualquer banca examinadora de línguas ou de ciências, demonstra sempre notável proficiência. Musicista, além de conhecer a fundo teoria musical é, como instrumentista, grande intérprete, de extraordinária virtuosidade. Nas reuniões sociais, sempre muito festejado, distribui-se por todos com muita afabilidade. Enamora-se da filha - segunda, de Anísio de Abreu - Carmen – bela moça com quem se casa e reparte dias de esplendores e infortúnios.
Juiz do Tribunal de Contas, na campanha política da sucessão do Antonino Freire, coloca-se em divergência do Governo. Com as pressões sofridas e a derrota eleitoral, verifica a impossibilidade de permanecer em Teresina. Pobre de bens e já com responsabilidade de família, não encontra condições para ir luzir noutras paragens. Dirige-se a Parnaíba, entregando-se à advocacia. O pequeno movimento do foro local não lhe propicia, entretanto, os recursos materiais almejados. E as agruras lhe vão crescendo assustadoramente, carregando-lhe de desesperos recalcados os dias sem horizonte.
Terminou, nessa senda espinhosa de angústias e desenganos, como antes Abdias Neves: na quietude desalentadora de um juizado que só tinha de fulgente a existência do próprio juiz em agonia.
Claro, preciso, seguro nas afirmações, como acentuava Cromwell de Carvalho, tinha perspicácia e penetração para encontrar, com facilidade, o ponto vulnerável discutível de cada questão. As suas razões, como advogado, como as suas sentenças, além da correção da linguagem, se expressava com tal precisão que seria muito difícil contestá-las.
Apesar da dicção impecável, escandida, de não perder-se uma sílaba, e da voz forte e dominadora, a emoção, não raro, ao contato do público surpreendia-o, turvando-lhe as idéias e a elaboração das frases.
Homem verdadeiramente solar, o infortúnio e as adversidades envolveram-no de sombras angustiosas. Relativamente muito pouco produziu. A sua grande luz fez a sua tradição. E é esse clarão que se mantém e conservará aceso na admiração da posteridade.
Pobrezinho de Cristo...
Luís Mendes Ribeiro Gonçalves
Pobrezinho do Cristo foi como o chamou Martins Vieira, em página enternecedora, impregnada da admiração, de saudade e simpatia. Com efeito, Gonçalo Cavalcanti foi uma dessas criaturas excepcionais, bem dotadas para os largos vôos, às grandes altitudes, o pouso nos mais altos cimos. Mas, contraditoriamente, como jungido à condenação misteriosa e irressucível, ficou preso à planície desolada ou, recolhido às sombras do vale, deixado ao abandono e à indiferença. A inteligência flamante e precoce, todavia, jamais perdeu o brilho, apesar das misérias todas sofridas. Somente com a morte inexorável se apagou de vez.
Menino pobre de bens materiais, desde as primeiras letras, entretanto, se mostrou opulento de recursos espirituais. Esquivo, modesto, atencioso, bem comportado, sempre brilhou como o primeiro entre os condiscípulos, sem, com isso, despertar ciúmes, inveja, despeito. Todos lhe reconhecem e exaltam a superioridade, sem que ele deixe de manter-se igual a cada um. O sentimento da humildade, no bom sentido cristão, acompanhou-o por toda a existência, dando-lhe firmeza e resignação para suportar, homem feito, as provações e injustiças. Possuía aguda sensibilidade. Neles porém, os sentimentos artísticos se completavam, em perfeito equilíbrio, com o amor à ciência. Preocupava-se em desvendar o que ignorava. Não se contentava com a impressão momentânea, o aspecto superficial. Curioso, insistia por conhecer o que se oculta por trás da aparência. Assim desde a meninice. Criança, como as outras, no prazer de divertir-se, cedo demonstrou a tendência a inquirir das razões determinantes de certas particularidades observadas.
Durante os estudos secundários, continua a revelar aproveitamento notável. Estudava para aprender, realmente. As notas elevadas dão-lhe prazer, é verdade, mas, a seu juízo, satisfazem, mas não bastam. O que importa é recolher, efetivamente, do estudo realizado, maiores e mais aprofundados conhecimentos. Se as línguas estrangeiras põem-no em contato mais direto com outras gentes, a ciência desvenda à percepção verdades de relações até então ignoradas. Umas e outras exerciam sobre seu espírito indagador e ansioso de distender-se sempre mais, forte fascínio.
Demonstra predileções especiais pela Matemática. Entusiasma-o a lógica das deduções, dos raciocínios.
Conclui o curso preparatório com brilhantismo. Já é um rapaz de boa figura, alta compreensão, com prepa ultrapassando, de muitos o dos jovens de igual idade. Os pais querem-no médico. E, fazendo os maiores sacrifícios, mandam-no à tradicional Faculdade de Medicina da Bahia. Lá, modesto, pobre, arredio, sem condições de partilhar das traquinagens estudantis, recolhe-se ao convívio dos livros, suprindo, com o estudo, as necessidades materiais. Não havia freqüentador mais assíduo dos laboratórios e da biblioteca da Escola. Nos assuntos do fim do ano, desconhecido de mestres e discípulos, surpreende a todos. Obtém distinção em todas as disciplinas do ano.
A cadeira de física era conhecida como encalhe difícil de transpor. Já havia vinte anos que não concedia grau máximo. Gonçalo Cavalcanti, bisonho, fugidio, quebrou o tabu, deixando todos admirados. Os livros entretanto não o embriagaram.
No íntimo, não pretendia encarreirar-se à Medicina, pois, ao contrario, apesar do peso dos sacrifícios feitos e a enfrentar, insistia por que ele prosseguisse no curso tão brilhantemente iniciado. Com a arrancada magnífica, tinha, como certa, a escalada triunfal.
Gonçalo Cavalcanti, mantém-se, em começo vacilante. Depois, o coração e o pensamento unidos na mesma reflexão, considera as dificuldades paternas e as próprias inclinações; medita sobre o que lhe seria, em verdade, a vocação. Deixa o caminho da glória que se lhe abre, à frente, largo e ridente, para tentar outros rumos.
Viaja para o Recife. Matricula-se na Escola de Direito, de onde saíra grande parte da cintilante falange responsável pela formação jurídica da nacionalidade. Ali realiza parte do curso, obtendo nota igual às que lhe foram concedidas em Salvador, invariavelmente em todas as disciplinas. As matérias eram outras, mais o estudante conserva a mesma fagulhação intelectual.
A premência material recrudesce angustiando-o como um entrave renitente. Após muito pensar, e pesar condições, transfere-se para o Ceará. Não lhe importa ser, pela nota, o primeiro da turma. O que lhe vale, em verdade, não é o julgamento, mas o saber que consegue incorporar ao patrimônio mental. E lá se vai para Fortaleza, onde, como começara, termina o curso como número um da classe, distinto em todas as cadeiras.
Formado, regressa a Teresina. Homem da boa estatura, esbelto, bem feito de rosto e de corpo, olhos grandes, escuros e luzentes, falando com admirável dicção e fluência, gestos comedidos, trato de extrema polidez, conversa agradável e ilustrada, logo se impôs como expressão humana da alta cultura. É nomeado professor do Liceu. Escolhido para qualquer banca examinadora de línguas ou de ciências, demonstra sempre notável proficiência. Musicista, além de conhecer a fundo teoria musical é, como instrumentista, grande intérprete, de extraordinária virtuosidade. Nas reuniões sociais, sempre muito festejado, distribui-se por todos com muita afabilidade. Enamora-se da filha - segunda, de Anísio de Abreu - Carmen – bela moça com quem se casa e reparte dias de esplendores e infortúnios.
Juiz do Tribunal de Contas, na campanha política da sucessão do Antonino Freire, coloca-se em divergência do Governo. Com as pressões sofridas e a derrota eleitoral, verifica a impossibilidade de permanecer em Teresina. Pobre de bens e já com responsabilidade de família, não encontra condições para ir luzir noutras paragens. Dirige-se a Parnaíba, entregando-se à advocacia. O pequeno movimento do foro local não lhe propicia, entretanto, os recursos materiais almejados. E as agruras lhe vão crescendo assustadoramente, carregando-lhe de desesperos recalcados os dias sem horizonte.
Terminou, nessa senda espinhosa de angústias e desenganos, como antes Abdias Neves: na quietude desalentadora de um juizado que só tinha de fulgente a existência do próprio juiz em agonia.
No fim, já nos últimos bruxoleios persistia sob o fascínio das letras clássicas e das ciências positivas. Continua fiel ao estudo da Matemática, tendo deixado, em original, um livro sobre equações do 3° grau. Não se limitava aos programas do curso secundário. Avançava pelo cálculo infinitesimal e as geometrias não-euclidianas. Era uma inteligência insatisfeita em busca de outros caminhos e das dificuldades a vencer.
Claro, preciso, seguro nas afirmações, como acentuava Cromwell de Carvalho, tinha perspicácia e penetração para encontrar, com facilidade, o ponto vulnerável discutível de cada questão. As suas razões, como advogado, como as suas sentenças, além da correção da linguagem, se expressava com tal precisão que seria muito difícil contestá-las.
Expositor de extraordinárias qualidades, faltavam-lhe, entretanto, dons tribunícios. Os nervos o prendiam, estorvando-lhe o pensamento.
Apesar da dicção impecável, escandida, de não perder-se uma sílaba, e da voz forte e dominadora, a emoção, não raro, ao contato do público surpreendia-o, turvando-lhe as idéias e a elaboração das frases.
Homem verdadeiramente solar, o infortúnio e as adversidades envolveram-no de sombras angustiosas. Relativamente muito pouco produziu. A sua grande luz fez a sua tradição. E é esse clarão que se mantém e conservará aceso na admiração da posteridade.
Pobrezinho de Cristo...
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