A coluna vertebral imágina do Piauí...
“Se um reino se divide contra si mesmo ele não poderá manter-se. Se uma Família se divide contra si mesma não poderá manter-se.”
Mc 3, 24-25
“Dividir a pobreza é faltar com a inteligência.”
Roberto Pio Napoleão, administrador
Pádua Ramos
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Estudos realizados pelo Governo Federal no passado identificaram os denominados “eixos nacionais de integração e desenvolvimento”: eixos indicativos de potencialidades econômicas insinuadas por características geográficas; potencialidades econômicas conversíveis em empreendimentos privados auto-sustentados, geradores de emprego, renda e tributo, – com o apoio infra-estrutural e institucional do poder público. Adiante, quando se tratar dos eixos especificamente estaduais piauienses, o entendimento do que significam ficará mais claro. Essa nova forma de abordagem da questão do desenvolvimento, a dos eixos, relega a segundo plano as fronteiras políticas. No caso de que se vai tratar, relega a segundo plano as fronteiras políticas sub-regionais e mesmo municipais. E faz, quase sempre, desencontrados delas, os limites dos espaços geoeconômicos, cujos desenhos quase nunca coincidem com os perfis das unidades políticas (Estado ou Sub-região ou Município), ainda que, freqüentemente, tenham sido definidos sob a influência dos acidentes geográficos.
Eixos Estaduais - O raciocínio estratégico do Governo Federal, na época, determinante da subordinação – à localização nos eixos – de investimentos públicos em apoio ao sistema produtivo, bem que poderia ser repetido pelo Estado do Piauí, ao identificar a existência, também na escala estadual, dos “eixos estaduais de integração e desenvolvimento”. Menciona-se, a título de provocação, que poderiam ser citados, como possíveis eixos estaduais: as bacias dos rios Parnaíba, Gurguéia, Canindé e outros; os platôs de Guadalupe; os tabuleiros litorâneos; as áreas sob influência das lagoas e dos açudes; os eixos turísticos; os cerrados com sua magnífica produção de grãos; e o semi-árido, surpreendentemente rico de recursos naturais que só ali – literalmente, só ali – são gerados.
A Versatilidade Ecológica do Piauí - A versatilidade ecológica do Piauí, como se sabe, constitui-se em base de potencial econômico polivalente. Tal versatilidade nasceu sobretudo das amplas latitudes, em que a carta geográfica piauiense se desdobra, e um tanto das suas longitudes. Como sabemos, o Estado confina ao Norte com o Oceano Atlântico e prolonga-se em diferentes latitudes até alcançar o sopé do Planalto Central; convive pelas longitudes do Leste com a Serra Grande e com o Semi-Árido e, pelas longitudes do Oeste, com a Pré-Amazônia. A polivalência ecológica do Piauí aponta para o cultivo de grãos, em geral, e da soja, em particular, bem como para o plantio da cana-de-açúcar. Se tais culturas se constituíam já em oportunidades econômicas, de uma hora para outra essas oportunidades econômicas foram alavancadas pela descoberta de caminhos alternativos para a obtenção do biodiesel, do h-bio e do metanol. A polivalência ecológica do Piauí aponta ainda para a cajucultura, a mandiocultura, a cotonicultura, a cultura do girassol, a mamonocultura, a fruticultura irrigada, e a própria cultura da carnaúba e do babaçu em bases renovadas; para o cultivo adaptado da videira; para a ovino-caprinocultura, a apicultura, a psicultura, a carcinocultura, a aqüicultura amplamente. E assim por diante. Curiosamente, em geral as oportunidades podem estar vocacionadas preponderantemente para uma sub-região, mas não unicamente para ela.
A diversidade dos turismos – o naturista e o científico, principalmente mas não exclusivamente – compreende, pelo menos, o Norte Litorâneo, que encontra no Delta do Rio Parnaíba sua máxima expressão; o Norte Intra-Continental, com o Parque Nacional de Sete Cidades, a Serra de Pedro II, o Açude Caldeirão e a Cachoeira do Urubu; bem como o Sudeste, com o Parque Nacional da Serra da Capivara, na qual se encontram os sítios arqueológicos, ora custodiados pelo Museu do Homem Americano. E, mais adiante, a vetusta – e mágica – Cidade de Oeiras. Sem esquecer as paisagens deslumbrantes do sul, onde se pode apontar, por exemplo, a Lagoa de Parnaguá.
O potencial mineralógico carece de estudos mais aprofundados, sem prejuízo da constatação já agora da existência de jazida de níquel a ser explorada pela Companhia Vale do Rio Doce. Esses estudos poderão, quiçá, levar à detecção de um ou mais eixos de integração e desenvolvimento. As seguintes pistas, conforme relação não exaustiva, ilustram a amplitude do tema: água mineral, ardósia, argila de queima vermelha, argila de queima branca, calcário, granito ornamental, mármore, opala, sal-gema, vermiculita, atapulgita, ilmenita, monazita, zircônio, rutilo e o já citado níquel.
Enfim, essa espantosa versatilidade ecológica do Estado faz a diferença. E o maior trunfo de que o Piauí dispõe para libertar-se do estigma de ser um dos últimos, no ranking dos Estados brasileiros – quanto ao indicador síntese renda per capita – é essa versatilidade espantosa. Essa notável versatilidade. Essa versatilidade quase única. No Nordeste, única.
A divisão empobreceria a diferença - De modo que as tentativas que ocorrem, de quando em quando, de divisão do Piauí em dois, se vingarem, destruirão a diferença. E a diferença, ela própria é que é o nosso tesouro. Se é verdade, como verdade é, que nosso incomensurável tesouro é essa incrível diversidade interna, que nos torna comparativamente tão distintos, certo é que nossa desgraça será o equívoco com que alguns desprezam este nosso tesouro.
Tome-se um exemplo singelo, como recurso de exposição. Dividir essa rica versatilidade do Piauí de hoje seria como dividir entre duas vitrines o sortimento variado de uma só vitrine. Cada nova vitrine exporia variedade menos rica de artigos.
As tentativas divisionistas ou são fruto da ingenuidade de uns, ou o são da malícia de outros. Os primeiros movem-se pelo propósito generoso de atrair mais assistência para o sul do Estado; e os segundos – embora engajados, acreditemos, na mesma bandeira generosa – são motivados também pelo desejo de poder, representado pela perspectiva de administrarem os novos empregos que seriam gerados; e representado pela perspectiva de captura da parcela do Fundo de Participação e das demais transferências federais, bem como dos tributos estaduais, que seriam usufruídos pelo novo Estado, isto é, pelo meio-Estado, – sob o pressuposto ilusório de que administrariam esses recursos com mais, digamos assim, produtividade social. Como se a velha natureza humana dos governantes novos fosse menos imperfeita que a velha natureza humana dos velhos governantes. Como se a fronteira política que fosse criada tivesse o poder mágico de deixar do lado de lá os pecadores; e do lado de cá, os santos.
Sobre a racionalidade da administração financeira - Ninguém se surpreenda se, caso eventualmente a idéia da partilha se fizer vitoriosa, os dinheiros públicos vierem a ser gastos prioritariamente com as construções dos três palácios – dos três palácios clássicos: o do Poder Executivo, o da Assembléia Legislativa e o do Tribunal de Justiça. Aos quais se acrescentaria sem falta um estádio de futebol. E as escolas? E os hospitais, as maternidades, os postos de saúde, os ambulatórios? E as centrais de abastecimento? E os aeroportos? E as estações rodoviárias? E as estradas municipais? Oxalá estes registros não tenham valor de premonição.
A falácia da facilitação administrativa - Não vale o argumento antigo da facilitação da ação administrativa, requerida pela imensa área do Piauí. (De fato, a área do Piauí é quase igual à soma das áreas do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba). Esse argumento ficou caduco, frente às modernas técnicas de administração, apoiadas pela Informática. A tecnologia da informação faz “milagres”. Só um exemplo. Em livro intitulado O Mundo é Plano, da autoria de Thomas Friedman, cita-se, entre outras experiências da reviravolta que o mundo está vivenciando, que no ano de 2004 cerca de 100 mil declarações de Imposto de Renda de americanos - americanos residentes em seu país – foram feitas fora dele: na Índia. (O Mundo é Plano – Objetiva – 2005, p. 22). Alguém de dentro do Governo do Estado e com familiaridade com o assunto poderá oferecer com certeza exemplo mais próximo, exemplo nosso, exemplo piauiense, a respeito da transmissão intra-governo, em tempo real, de dados sobre atos e fatos administrativos ocorrentes nos mais distantes pontos do território piauiense, nas áreas de segurança, fazendária, educacional, de saúde etc.
A corrente de pensamento pró-divisão, por mais bem intencionada que seja – como é o caso, com absoluta certeza, de um de seus líderes, a saber, o honrado homem público que é o Sr. Jesualdo Cavalcanti Barros – opta sem o perceber pelo retrocesso histórico, representado pela segmentação que só fragiliza, justo num momento em que a moderna tendência universal aponta para o vigor da soma, da aglomeração, da consolidação, fundadas solidamente sobre o suporte racional dos mercados comuns. Não.
Não tornemos ainda mais fraco, economicamente e politicamente, o Piauí, bipartindo sua geoeconomia e, ainda, dicotomizando sua pequena representação congressual. Se esse desastre viesse a acontecer (confirmem ou não os entendidos em legislação eleitoral): cada banda de Piauí contaria com 8 deputados federais cada: a do Piauí do norte e a do Piauí do Sul. Daí resultando dois sub-Piauís. Ora, se já hoje o total de 10 deputados federais não têm força para quase nada – não por serem quem são, mas por serem quantos são –, imagine 8 deputados. O mesmo raciocínio provavelmente não se aplica às bancadas estaduais em suas relações com o poder central piauiense, de tão fácil acesso.
Não se venha, pois, com o argumento de que as administrações estaduais só consideram os problemas do sul piauiense em raras oportunidades. Se a afirmação tiver procedência, ou os representantes políticos do sul não usaram de sua justa influência ou não se apresentaram com suficiente empenho em favor dos legítimos interesses de seus representados frente ao Governo Estadual. Se esta fosse a postura habitual dos homens públicos do sul piauiense, como acreditar que de repente fossem mudar? Que de repente passariam a ter influência ou a se apresentar com suficiente empenho perante o Governo Federal?
O Piauí é um tesouro - Aquele tesouro antes mencionado, que são justamente nossos traços diferenciadores, teria seu valor diminuído, porque seria partido em dois pedaços. E o número já agora pequeno de nossos deputados federais se transformaria, como visto, em número diminuto. Nenhum dos dois Piauís seria forte, pois teriam enfraquecido o poder da pressão política. A capacidade de transação se esmaeceria. Ambos sairiam enfraquecidos. Antes, portanto, cuidemos de nossos eixos: eles são transcendentes, no sentido de que cada um abrange, quase sempre, simultaneamente, municípios distanciados entre si. Por via dos eixos, haverá um entrelaçamento natural do sul, do centro e do norte. Por via dos eixos, seriam firmadas alianças duradouras entre comunidades geoecono-micamente afins: alianças duradouras sustentadas por superiores interesses comuns. É preciso institucionalizar programaticamente o entrelaçamento ora apenas natural dos eixos e, conseqüentemente, promover a integração das múltiplas sub-regiões.
Daí resultando a tessitura inconsútil de um só Piauí, uno e forte.
*Pádua Ramos é professor titular da cadeira de Planejamento Social da UECE - Universidade Estadual do Ceará; e pró-reitor da mesma universidade para a área de planejamento. É autor do livro Em Busca do Ângulo Alfa, sobre políticas públicas
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