quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

“O Nós e Elis não era redondo!”

Elias Neto, Joca Oeiras, Vera e Albert Piauí.
Foto: Kenard Kruel.
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O cartunista, jornalista e desenhista Albert Piauí, um dos mais emblemáticos freqüentadores do Bar “Nós e Elis”, depois de muitas idas e vindas, sumiços e aparições, concordou em receber-me em entrevista na Fundação Nacional do Humor da qual é presidente para dar um depoimento. O escritor, jornalista e editor Kenard Kruel, na tarde da última sexta-feira, 3 de fevereiro de 2009, gentilmente acompanhou-me na empreitada. Para logo o Albert me fez saber que não daria nenhum depoimento, já que eu não portava gravador. Em desespero, quase chorando, a final tinha vindo de Oeiras para realizar esta entrevista, apelei aos bons sentimentos do rapaz garantindo, inclusive, que nada postaria em nome dele sem sua prévia concordância e que, ou invés de gravar, anotaria tudo o que ele viesse a dizer, Como bons sentimentos abundam no coração do artista, Albert acabou aquiescendo. O resultado, bastante interessante e informativo – trata-se de um arguto observador do mundo que o circunda – deixa, no entanto a desejar sob o ponto de vista das emoções saudosas que o bar, certamente, lhe traz. Perguntado sobre isto Albert meio que saiu pela tangente dizendo que seu amor pelo Nós e Elis foi por ele sobejamente demonstrado nas obras de arte que ele executou em cada uma das paredes de bar. Veja, abaixo, o que o Albert me falou - Joca Oeiras:

O Bar e a ocupação dos seus Espaços - Numa ocasião em que Teresina ainda era uma cidade bastante provinciana – a rigor não existiam bares, mas botecos – o Nós e Elis foi, em tudo, uma exceção. Construído e planejado, especialmente, para ser um bar. Mesmo sem ter uma grande área, ainda assim seus freqüentadores se distribuíam em quatro espaços geográficos delimitados, inclusive, pela iluminação. Havia uma área coberta (a única) bem defronte ao palco, onde ficavam as pessoas mais convencionais. Atrás dessa cobertura se postavam pessoas retardatárias, que gostariam de lá estar, mas que haviam, na sua chegada, encontrado o lugar lotado. À direita de quem observasse do palco, local que recebia pouca iluminação, ficava quem não desejava muito ser visto, por exemplo, casais de namorado ali ou alhures formados. À direita, próximo ao balcão da bebida ficava o bebódromo, pequeno lago artificial onde , muitas vezes, os bêbados caiam para deleite da plateia, Este espaço era freqüentado, principalmente, por artistas, amigos dos artistas, e outros descolados, os que queriam “holofotes”. Não é difícil entender porque!

Desfile na Passarela - Do lado direito do palco ficavam os banheiros e, do lado esquerdo, os balcões de atendimento. O local da platéia que correspondia aos artistas e seus amigos era, justamente, o que ficava defronte aos balcões de atendimento. Esse pessoal, para ir ao banheiro, tinha que passar defronte ao palco, sendo observado por todos. Por isso as mulheres que freqüentavam o Nós e Elis faziam questão de embonecarem-se todas, para “desfilar” na passarela que as levaria ao banheiro. Era até visível que, algumas delas vinham, às mais das vezes, ao banheiro, apenas para se mostrar.

Bar “sui-generis” - Eu definiria o Nós e Elis como um bar chick, aberto, bem ajustadinho. Tudo ali foi ele, Prado Jr, quem planejou. Um bar bem transado. Quando lotava, a Pracinha e as ruas laterais viravam uma continuação dele. Os garçons eram os grandes responsáveis pelo atendimento. Todos eles eram chamados pelos próprios nomes. Eram amigos dos fregueses. Muitos constituíram negócio próprios outros tornaram-se garçons do Karnak. Uma vez eu fui ao Karnak para uma audiência com o governador e um garçon chegou perto de mim e me ofereceu um uísque. Um deputado, que também aguardava, indignou-se. – Porra, eu sou deputado e o cara vem puxar o teu saco e não o meu! Ao que respondi. – Esse cara é meu amigo, já bebemos muito juntos na madrugada, depois do “Nós e Elis”. Certa feita eu não tinha grana para o táxi (e moto-taxi ainda não existia), então peguei carona, de bicicleta, com um dos garçons, que era quase meu vizinho. A cozinha era o ponto alto do Nós e Elis. Não servia refeição, mas tira-gosto. O meu preferido era a moela ao molho de ketchup. Quanto às bebidas, tinha todas as que são servidas hoje num hotel 5 estrelas – vinhos, licores, conhaques, vodcas; nacionais e importadas. Produziam drinks variados e de grande beleza plástica. Aliás, primavam por isso. Foi o primeiro bar a fazer constar cachaça no cardápio de bebidas. A marvada era discriminada nos bares e restaurantes ditos “de elite”. Diga-se de passagem, a pinga Mangueira foi, durante vários anos, a bebida favorita do Prado Jr.

Importância Cultural do Bar - O “Nós e Elis” transformou, de forma radical, a cultura teresinense no que diz respeito à música. Porque, até então, não havia a tradição da música ao vivo. O Elias, colocando, pela primeira vez cidade, melhor ainda, pagando cachê, começa no Nós e Elis a profissionalização de músicos com trabalhos autorais e / ou intérpretes de um repertório de alta qualidade musical. Geraldo Brito, Fátima Lima, Rubens Lima, Roraima, Jabuti e muitos outros se apresentaram naquele bar. O artista contratado apresentava seu show até uma ou duas da manhã e, depois disso, aconteciam as canjas, muitas vezes até o sol raiar. Aliás, o “Nós e Elis” também pode ser denominado o “Bar das Canjas”. Era, também um centro de convivência cultural de alta relevância. Os artista que o freqüentavam trabalhavam com diversas linguagens – música, artes plásticas, teatro e literatura, – lá se encontravam para trocar idéias. Essa convivência cultural foi muito importante. E muitos projetos nasceram lá! O Elias era um homem de esquerda e fazia política o tempo todo. Isso fez com que o bar fosse, também, um local de convivência da esquerda em Teresina. O Elias ficava de mesa em mesa, conversando. Acho até que o Elias fez o Bar para si mesmo. Mudou a maneira de os teresinenses verem um bar.

*Albert Piauí é o presidente da Fundação Nacional do Humor.

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