domingo, 8 de fevereiro de 2009

Menezes Y Morais

Menezes Y Morais. Foto sem crédito.

Um pássaro que voou lonjuras

Carlos Alberto Dias

José Menezes de Morais. Quem conhece esse nome em Altos? Quem já leu um livro de sua autoria? Quem já viu um retrato seu? Quem é ele?

Eu lhes digo: Menezes y Morais (seu nome literário) é um altoense da gema, consagrado poeta, contista, romancista, jornalista e professor.

É partidário da definição de Maiakovski, para quem "não existe arte revolucionária sem forma revolucionária". Buscando as mais variadas modalidades de linguagem, mantem-se sempre atentamente "preocupado com as idéias, as formas e as renovações", no dizer do poeta e magistrado Elmar Carvalho.

Menezes Y Morais foi um dos pioneiros da renovação poética no Piauí na década de 70, ao lado de Alcenor Candeira Filho, Paulo Machado, William Melo Soares, Nelson Nunes, Rubervam du Nascimento, Elmar Carvalho, Wilton Santos, Chico Castro, Beth Rêgo, Marleide Lins Albuquerque, Francisco Eduardo de Moraes Lopes, Ana Miranda, Zé Magão, Miso, Kenard Kruel, Albert Piauí, Arnaldo Albuquerque, dentre outros.

Essa renovação deu-se com a eclosão do fênome chamado Literatura Marginal, que originou a Geração Mimeógrafo, definida por José Pereira Bezerra, em seu livro Anos 70: Por que Essa Lâmina nas Palavras (FCMC, Teresina - PI, 1993) como o "produto de um fênomeno cultural típico da segunda metade dos anos 70, ... que se utilizava de uma antiestética, anárquica e confusa, que incluía a tematização da realidade, produção autofinanciada de livros (sobretudo mimografados) e a veiculação e venda pessoalizada desses livros, além de uma postura integrada ao contexto sócio / político / cultural de seu tempo".

Nordestino pela gravidez de alto risco, como ele próprio diz, Menezes Y Morais nasceu no solo da cidade de Altos, a 29 de julho de 1951.

Cursou o ensino médio no Colégio Álvaro Ferreira, em Teresina, cidade em que manteve intensa atividade cultural. Ali trabalhou no jornal O Dia, onde era responsável pela parte de Cultura e Artes, editando entre os ano de 1977 / 1878 uma página cultural.

Em rascunhos para uma trova o poeta nos dá uam dimensão do seu pensamento inquieto e revolucionário.

canto
despertar
a amanhã
c/ sua carga
revolucionária
de amor
y liberdade
radicalmente a favor
de tudo q/ é contra
a fria-longa noite
dos campos
fábricas
laresubúrbios
escolas templos prisões

canto
a negação do canto
sim, por que não
pela ternura (in) compreendida
dos Mortos
do novo mundo
república de todos um
olhos da liberdade
calor do sol.

(Jornal O Dia, Teresina - Pi, 13.7.1977).

Afeito ao teatro, muito interessou-se pela arte cênica, tendo representado e dirigido várias peças em grupos amadores.
.
Mudando-se para a capital federal adquiriu licenciatura em História, pela Universidade de Brasília, onde ainda reside, milita na imprensa, participando do Sindicato da categoria e do Sindicato dos Escritores, que presidiu pelos idos de 1992, e é professor universitário.

Autor de vários livros, participou de mais de 13 antologias e tem poemas traduzidos para diversas línguas.

Seu primeiro livro, Laranja Partida ao Meio, foi editado em 1978, em mimeógrafo, com capa de Fábio Torres e contracapa de Arnaldo Albuquerque. Analisando-o, o poeta, contista e ensaísta José Pereira Bezerra fala que o mesmo "apresenta poemas e, sobretudo, uma prosa experimental, numa linguagem macarrônica, onde o autor expõe a sua cosmovisão".

Para Menezes Y Morais, o que abre as portas para a verdadeira existência é a liberdade para viver.

senha da existência

o
que
se
basta
em
nome
da
vida
é
livre
para
a vida
que não
se basta
em si.

(Outros Poemas, 1992).

N'A Balada do Ser e do Tempo, publicado em Brasília e Teresina, o poeta escreve o mesmo poema ao longo das 81 páginas do livro, "sem a preocupação com a organicidade do tema", tendo sido produzido "entre os anos de 1966 e 1986", no dizer do próprio autor. Na dedicatória, ele diz que:

ser é
brinquedo
do tempo
o tempo
é invenção
da existência

Já desenvolvendo o poema, Menezes y Morais traça um perfil do homem em seus aspectos social, político, econômico e, acima de tudo, humano:

existe uma coisa tão grande
que só cabe dentro d'um homem

haverá um tempo em que todos seremos todos
na infinita totalidade do ser

...

o homem
de fome
ao homem
.
o homem
de homem
ao nome

o nome
de homem
ao homem

a fome
de nome
ao homem

a fome
de homem
ao homem

o homem
de fome
à fome

o homem
de nome
à fome

o nome
de fome
ao homem

Pessimista? Não. Realista. No conto Conversa na Esquina (de três linhas apenas), do livro O Suicídio da Mãe Terra, vemos a dura vida em suas vielas:

- e aí?

- dei sei tiros; morreu sem um gemido.

- jóia.

Realidade esta endossada no livro-poema A Balada do Ser e do Tempo:

nem só de precisão vive o homem
além desta existem outras misérias.

Publicou vários livros, dentre os quais: 1964 - Poemas do Sufoco (1986); Laranja Partida ao Meio (1978); Pássaros da Terra com Paisagens Humanas (1982); Diário da Terra & Cenas da Cidade Sitiada (1984); A Balada do Ser e do Tempo (1986/87); O Suicídio da Mãe Terra (1980), contos; O roque da massa falida (1992); O Livro das Canções de Amor & e Outros Cantares de Igual Teor (1990); Na Micropiscina da Lágrima Feliz (1999) e outros.

Participou das antologias: Tudo é Melhor que Nada (1974); Aviso Prévio (1977); Ô de Casa (1977); Descartável (1979); O Rio (1980); Piauí: Terra, História e Literatura (1980), organizado por Francisco Miguel de Moura; Poetas Brasileiros Hoje; Literatura Brasileira - Volume I; 27 Po(rr)etas; Outros Poemas; Antologia Poética Piauí / Ceará - Projeto Mão Dupla (1994) e Baião de Todos (1996), ambos organizados por Cineas Santos, além da Antologia da Nova Poesia Brasileira (1992), organizada por Olga Savary.

Figura nos livros Anos 70? Por que Essa Lâmina nas Palavras? (1993), de José Pereira Bezerra, e A Poesia Piauiense no Século XX (1995), de Assis Brasil.

É verbete no Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos (1995), de Adrião Neto.

Na Antologia Ô de Casa! (Editora Nossa, Coleção Ciranda, Comepi, Teresina, 1977), Menezes Y Morais noticia a existência de outros trabalhos, como: Organização Geral dos Seres Vivos (poemas): Homocobaias (romance) e A História é o Povo em Movimento, Lembra? (romance).

De visão ampla, o poeta altoense preocupa-se com o meio ambiente e a vida comunitária de nossa gente.

No poema de um povo de um lugar sua preocupação com a ecologia "se dá num contexto ideologicamente onde a natureza e o coletivo são duas faces que se comunicam e se resolvem" (J Pereira Bezerra, in Anos 70:...):

nada de aerosol
queremos o supermercado no quintal
natural e coletivo
nada de radioatividade

...

queremos o sol
em sua forma
nativa.

(Aviso Prévio, 1977).

Também no Cântico dos Prantos, da antologia O Rio, podemos verificar este sentimento de alerta e amor à natureza:

1 - da geografia dos rios

os rios conhecem a terra
musgos, relvas, pradarias.
ribanceirando os caminhos
ao encontro de outros rios.

...

desmatamentos, queimadas, esgotos
indústrias. roubo de areia
dos leitos para as caras moradias
canais de fezes, do mundo,
cercas, nada disso impede os rios

2 - o movimento dos peixes

os rios têm o seu povo
universos que se agitam
no milagre da existência
da vida de todo dia.

...

choram o verde que era verde
e hoje é seca, cinza, prantos.
choram os meninos travessos
que aplacam a ira dos rios.
choram os meninos e os bêbados
que morrem nas águas vadias,
nas águas da morte funda
da terra sem moradia.

3 - o tempo social dos rios

os rios choram seus mortos
nas enchentes e marés,
os rios cantam seus mortos
nas chuvas das cabeceiras.
lamento das lavadeiras
no barulho dos anzóis
nos esgotos que recebem
nas barragens que constroem.

...

é para os rios que convergem
as lavadeiras do Brasil.
assembléia de mães pobres
confluência da esperança.
com o sabão da miséria
i a grandeza cotidiana das mãos
ensaboam e enxagoam
a sujeira dessa vida.
vida de pobres e ricos
de dores y alegrias.

...

nesses tempos de miséria
os rios são o choro da terra.

Seu conto A Concha Uniformizada é uma retratação crítica e fabulada da situãção político-administrativa do Brasil, apresentando o cidadão como ser de sua história: "a formiga 716 olhou bem o que tinha nas mãos e ainda não entendeu direito. ser fiel ao teu governo, não desrespeitar as leis, cumprir todas as normas, dizia o manual de instruções. ela vinha se perguntando se tinha algum sentido todas as formigas repetir a mesma coisa todos os dias. olhou, re-olhou, jogou o manual fora. disse consigo: "eu liberdade universo".

Segue o conto narrando toda a luta travada pela formiga 716 na peleja de organizar o formigueiro para lutar por sua liberdade e seus direitos. tendo saldo positivo, com a ruína do império, a 716, presa e condenada à morte, dfescansa vitoriosa: "já fiz meu papel somei meu universo ao universo do meu povo e a minha descoberta se completou com a vontade de todos e ganhamos forma de luta. aqui encerro meu drama enquanto estou vivendo o ato maravilhoso da descoberta do ser e do mundo".

Do gênio de Souzandrade, Menezes Y Morais busca todas as formas de linguaem e cai no bloco de rua que tenta repensar a vida, diz ele próprio em sua autoapresentação, afirmando que "... se a poesia é razão e emoção, matéria e espírito, lógica e acaso - entre outros elementos - o Poeta nada mais é do que a poesia em si. O Poeta nada mais é do que um instrumento de Deus para a poesia nossa de cada dia".

Os poemas transcritos abaixo bem traduzem sua concepção filosófica:

hai cais ocidentais

quando os milhos
milharem
colherei teu ser

manhã se primavera
cadê a paz e a calma
que a alma espera?

o dia em cio
meus olhos vadios
em tua poesia

(Outros Poemas, 1992)

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pare as nossas ofertas: gran
de liquidação: o senhor
não paga. a morte
e cortesia
da ca
sa

(A Balada do Ser e do Tempo, 1986)

Sendo o mais expressivo nome de nossas letras, o escritor, professor e jornalista Menezes Y Morais alcançou projeção nacional e até internacional. Foi presidente do Sindicato dos Escritores no Distrito Federal (SEDF).

"Todas às vezes que o Menezes vem a Altos, ele chora", revelou-me o poeta William Melo Soares.

Nas páginas 47-48 d'A Balada do ser e do Tempo ele dá um mergulho na infância passada na terra natal:

manhãs aguadas de tempo e os mangueirais da
terra no cio do vento e os passarinhosangrando
os frutos do sol que alimentam
os dias os seres soldados na usina do tempo
do tempo passado a limpo no corpo da gente
o tempo oficina de tudo onde a vida se reinventa
e os frutos eternos ciciando o vento
explodem em fogo água ar semente

um homem caminha lento nas ruas do tempo
do menino nascido em Altos
ficou a infância
cinema da existência
e esta simples
lição de vida

Este arredio altoense parece ter resumido num dos poemas que faz a sua biografiua:

eu sou apenas um pássaro que pousou livre
na janela
do seu coração
mas você não viu
e eu avoei lonjuras
da gaiola dos seus olhos.

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