Herbert Parentes Fortes
Foto sem crédito.
Kenard Kruel
O poeta irmão Emerson Araújo topou coordenar o Seminário Herbert Parentes Fortes, que será realizado no período de 15 (quinta-feira) a 17 (sábado) de outubro do corrente ano, no Auditório Herbert Parentes Fortes. Convidados nacionais e internacionais virão tomar água do Parnaíba e do Poti e conversar sobre a vida e a obra desse fenomenal piauiense que, infelizmente, ainda não mereceu um olhar mais atento sobre ele. No sentido de contribuir para que ele se torne conhecido entre nós, passarei a publicar aqui e no portal da cultura piauiense - Kenard Kaverna - comentários que foram feitos sobre seus livros à época de suas publicações. O primeiro, segue abaixo:
Um Marco da Sociologia Brasileira
Guerreira Ramos
GRD (Gumercindo Rocha Dorea) lançou, este ano, de Herbet Parentes Fortes, dois livros: Filosofia da Linguagem e A Língua que falamos. Promete publicar mais outros daquele autor. O empreendimento desta editora é um grande serviço à cultura brasileira.
Quanto Herbert Parentes Fortes faleceu, há quatro anos passados (4 de setembro de 1953), muitos na imprensa desta capital deram o seu testemunho sobre esta grande e contraditória figura humana. Eu não pude nada sizer sobre o amigo de mais de vinte anos. Naquele momento a privação da presença do amigo era uma realidade por demais cruel e inesperada. Minha perplexidade diante daquele desaparecimento foi sem limites. Tenho muito a dizer sobre Herbert Fortes, mas não o farei ainda desta vez. Meu projeto é o de tomá-lo com o pretexto para um estudo de caso (case study) da inteligência brasileira. Na formação e na expressão social de Hebert Fortes se tornam flagrantes, de modo dramático, as vantagens e as limitações que têm caracterizado o contexto do intelectual brasileiro, principalmente na Bahia. Reconstituir-se-á, pela exploração da avida intelectual de Herbert Fortes, toda uma atmosfera daquela Bahia dos anos trinta para cá, atmosfera que muito se parece com a das décadas anteriores.
Herbert Fortes, embora nascido no Piauí, educou-se na Bahia. Tornou-se um intelectual tipicamente bainao. Até hoje ninguém se dedicou à sociologia diferencial da inteligência brasileira. É necessário começá-la seriamente. Hebert Fortes, homem de transição, é, no que diz respeito à Bahia, excelente referência paraum estudo de tipologia regional, para um estudo de climas mentais. A sua lembrança me introduz numa atmosfera intelectual em que respirei durante os anos de minha juventude. Herbert Fortes, em tal ambiente, sempre me pareceu um patrimônio da comunidade baiana, uma agência viva e militante em contato com a qual os jovens não só se iniciavam num passado regional de tropas espirituais e de idéias como também recebiam a influência da cultura contemporânea universal. Na inteligência baiana é muito característica a lealdade a certos mores e folkways típicos de baianidade e uma fã de atualização. Herbert Fortes, eu o vejo como um símbolo de baianidade e, por isso, ele merece uma exploração monográfica, na qual se descreva a psicologia da camada letrada e culta do tradicional Estado.
Mas, enquanto esta monografia não se faz, salve-se a obra de Herbert Fortes. Sua atualidade é indiscutível. Em nossos dias, ainda são muitos os que podem compreendê-la. Não tenho competência para discutira problemas de lingüística e, assim, não sei avaliar a ortodoxia que, na esfera desta disciplina, revelam os estudos do autor. Posso, entretanto, afirmar, com segurança, a boa e excelente qualidadae daqueles estudos. Esses dois livros constituem um marco da sociologia brasileira e se me pergutarem o que é que temos a ganhar com a sua cuidadosa leitura, respondo: neles aprenderemos o que se pode chamar de redução sociológica. Herbert Fortes foi um mestre da redução sociológica, isto é, foi um homem que, como poucos dos seus contemporâneos, assimilou a ciência estrangeira do seu tempo de maneira crítica e dinâmica. Sua cultura não se formou por justaposição de conhecimentos mecanicamente adquiridos. Ao apoderar-se dos sistemas sociológicos estrangeiros, ele o fazia pondo em suspensão as suas implicações existenciais, e, assim, deles extraía o essencial sem deixar envolver-se por sua ótica.
A posição característica de Hebert Fortes no domínio da sociologia da linguagem se definia pelo esforço de induzir as normas do falar brasileiro de sua realidade concreta. Foi Herbert Fortes quem descobriu e aplicou uma lei importante da formação brasileira: a lei da heteronomia. Ele surpreendeu a incidência desta lei na lingüística nacional, mas ela pode ser extrapolada para todos os outros aspectos de nossa cultura. No tempo de Herbert Fortes a sociologia brasileira ainda não tinha elaborado a noção de situação colonial como fato social. Faltou-lhe esse conceito sistemático. Empiricamente, porém, os estudos de Herbert Fortes se colocam na linha do que hoje se faz de melhor e mais cientificamente rigoroso no âmbito da sociologia.
Mais bem equipado do que Mário de Andrade em matéria de sociologia da linguagem, Herbert Fortes funda uma tradição científica, nesses dois livros e nos outros que anunciam as edições GRD. Ainda bem que essa tradição não se perdeu. Encontrou no modesto e devotado GRD um empresário honesto e digno de todos os estímulos.
(In LEITURA, Nova Fase, ano XV, nº 2, agosto de 1957, página 17).
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