sábado, 24 de janeiro de 2009

Um herói doméstico

No dia 25 de agosto de 1973, Mané Garrincha, apresentou-se em jogo exibição no Estádio Municipal Gerson Campos, Em Oeiras. Na foto, o garoto Pedro Freitas Júnior, filho do então prefeito local entrega um bouquet de flores ao "Alegria do Povo". Ao fundo, à esquerda, jogadores da Seleção de Simplício Mendes, à direita, com ar emocionado, o ex-futebolista Camarço.
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Lembro-me do dia em que conheci Garrincha. Isto se deu em meados de 1973. E não foi muito longe, não! Foi na minha querida terra natal, Oeiras. O herói nacional estava fazendo uma turnê. Despedia-se do futebol. A municipalidade resolveu contratá-lo para um jogo exibição. A notícia de sua presença mexeu com todos. Cousa de província!

Garrincha chegou numa terça-feira. Hospedou-se numa casinha adrede preparada, ali na rua das Portas Verdes. Trazia consigo um curió. Não se afastava da bonita gaiola.

Verdadeira romaria formou-se para visitá-lo. O povo demonstrava gratidão pelas alegrias que lhe proporcionara durante sua carreira futebolística. Até o Professor Possidônio Queiroz, “a enciclopédia ambulante”, dirigiu-se àquela residência travestida de concentração. Apresentou-se envergando paletó. Patriota, pronunciou “ligeiras palavras” de légua e meia. Discorreu sobre a vida esportiva do homenageado. Garrincha, meio encabulado, disse depois que não se lembrava de certas passagens referidas. No fundo, achou aquilo muito engraçado!

Não obstante, espalhou-se o boato dando conta de que aquele homem era um impostor. Não se tratava, efetivamente, do festejado atleta. O velho Zé Sá, contestador por natureza, alardeava: “Esse aí nem pernas tortas tem!”.

Lá pelas tantas, ouviram-se muxoxos. Garrincha desejava recolher-se num ambiente ameno. A solução foi logo encontrada: no dia seguinte a honrosa comitiva deslocou-se ao sítio de “Seu” Mário Freitas. Aprazível brejo com piscina natural e tudo mais. Evidentemente que ele levou na bagagem, além do curió, aquela bebida que passarinho não toma.

Alcoólatra, tomou homérico pileque. A certa altura, não satisfeito com birita que trouxera, fez um pedido. Também uma queixa. Queria provar o gosto duma cachacinha artesanal. Despacharam um positivo à cidade. O negro Hermínio, neurótico de guerra, salvou a pátria (sempre os doidos de Oeiras): cedeu uma garrafa de “Caboclinha”, aguardente que tinha sido deixada de ser produzida há muito tempo. A queixa, é que queria fornicar...

De fato, nenhuma cabrocha esfogueada por ali aparecera. Por outra, quando soube que o antigo nome do então povoado vizinho era conhecido por “São João dos Tocos”, Garrincha ironizou-se: “Nasci em Pau Grande (RJ) e hoje estou no toco!”.

Nesta época, vivia-se um trauma generalizado em face da morte do desportista Gerson Campos, ocorrida em 11 de fevereiro 1973, em pleno Estádio Municipal do Leme, vítima que fora de um ataque cardíaco fulminante provocado pela sensacional virada obtida pela Seleção de Oeiras (2X1) – Gerson era o técnico – sobre o selecionado de Floriano, em partida válida pelo Campeonato Intermunicipal ano anterior. Logo após o seu falecimento, a Câmara Municipal de Oeiras, por iniciativa vereador José Alves Teixeira, houve por bem rebatizar aquele campo de futebol com o nome de Gerson Campos. Desde seu passamento, no entanto, até a chegada do ilustre filho de Pau Grande (RJ), nenhum jogo havia se realizado ali.

No sábado, dia 25 de agosto, a esperada exibição galvanizou corações e mentes, além do que foi encarada pela população como um momento propício para a superação do mal-estar coletivo que cada um carregava em sua alma. Entrada franca, os portões do Estádio Municipal Gerson Campos foram abertos a partir do meio-dia, embora alguns moleques terem preferido a “aventura” de saltar o muro. Apinharam-se torcedores. Seleção Oeirense X Seleção de Simplício Mendes. Garrincha jogou apenas no segundo tempo. Não houve gol, apesar de um pênalti batido para fora pelo próprio Garrincha. Não importa: a galera vibrou, foi ao delírio com os seus desconcertantes dribles, marca registrada do eterno astro, ainda luminoso. Apoteótico fim de jogo!

A festa que Garrincha proporcionou, não mereceu o menor registro da imprensa esportiva da capital, que se ocupara, exclusivamente, da inauguração do “Albertão”, fato que ocorreria no dia seguinte e que se constituiu numa tragédia nacional com o pisoteio e morte de vários torcedores.

Ex-goleiro (e dos bons!), botafoguense de carteirinha, boêmio incorrigível, se fosse vivo na ocasião, Gerson, certamente, teria se juntado a Garrincha naquele evento memorável. Com certeza, teria cantado “Balada nº 07”, bebericado e outras cousas mais...

* Carlos Rubem é promotor de Justiça.

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