sábado, 24 de janeiro de 2009

"Como ousa você, leitor (a), vir incomodar-me?"

Rubem Braga em montagem by Netto.


Há uma crônica especialmente curiosa de Rubem Braga publicada no Diário de São Paulo (em que Mário de Andrade escrevia sobre música), quando o cronista tinha apenas 21 anos de idade e mal começara a trabalhar, depois de ter concluído o curso de Direito em Belo Horizonte. Inícios do ano de 1934, poucos meses depois de sua estréia, Rubem escreve uma crônica intitulada:

Ao respeitável público:

"Chegou meu dia. Todo cronista tem seu dia em que, não tendo nada a escrever, fala da falta de assunto. Chegou meu dia. Que bela tarde para não se escrever!".

O que parecia ser apenas uma pequena encenação para começar a escrever mostra-se, contudo, um texto agressivo, violento, contra o leitor:

"meu distinto leitor, (...) minha encantadora leitora, queiram ter a fineza de retirar os olhos desta coluna. Não leiam mais. Fiquem sabendo que eu secretamente os odeio a todos; que vocês todos são pessoas aborrecidas e irritantes; que eu desejo sinceramente que todos tenham um péssimo Carnaval, uma horrível quaresma, um infelicíssimo ano de 1934, uma vida toda trapalhada, uma morte estúpida!".

Ironizando a linguagem formal com que o "prezado e distinto leitor" era tratado pelos escritores, Rubem abre seu coração de urso e o despreza acintosamente:

"Como ousa você, leitor (a), vir incomodar-me? Aqui nesta coluna, eu nunca lhes direi nada, mas nada de nada, que sirva para o que quer que seja. E não direi porque não quero; porque não me interessa; porque vocês não me agradam; porque eu os detesto."

Trata-se aqui de um modo bem direto de morte do autor e morte do leitor. Não haverá diálogo. O cronista cansou-se de ser objeto de curiosidade, bem como de indiferença, pois nada mais fácil do que não ser lido no jornal. Os dois últimos parágrafos da crônica não dão trégua ao leitor que, no entanto, não consegue mais desgrudar-se da leitura:

"Fiquem sabendo que eu hoje tinha assunto e os recusei todos. Eu poderia, se quisesse, neste momento, escrever duzentas crônicas engraçadinhas ou tristes, boas ou imbecis, úteis ou inúteis, interessantes ou cacetes. Assunto não falta, porque eu me acostumei a aproveitar qualquer assunto."
Mas o fato é que ele quis naquele dia ser absolutamente sincero e declarar pela primeira vez (e provavelmente última também) que odiava o seu leitorado. E, por fim:

"Amanhã eu posso voltar bonzinho (...). Saibam desde já que eu farei isto porque sou cretino por profissão; mas que com todas as forças da alma eu desejo que vocês todos morram de erisipela ou de peste bubônica.Até amanhã. Passem mal."

Gabriel Perissé - Escritor e Doutor em Filosofia da Educação.

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