domingo, 25 de janeiro de 2009

Polêmica: Alexei Bueno versus Caetano Veloso

Caetano Veloso. Foto sem crédito.
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SÃO PAULO - Mais de 40 anos depois de sua consumação, um casamento (aberto, vale dizer) realizado na cultura brasileira é questionado, qualificado como "união de interesses". A história começou no blog de Caetano Veloso, Obra em Progresso, no qual ele atacou a visão do poeta Alexei Bueno sobre os concretistas, apresentada no livro "Uma história da poesia brasileira". Na coluna Gente Boa, da última terça-feira, Bueno respondeu, apontando a cumplicidade entre Caetano e os concretistas como um "esquema de uma-mão-lava-a-outra", no qual eles "lhe davam certa aura erudita - da qual ele nunca precisou - e recebiam em troca uma certa aura popular".

- Era recomendável para os concretistas atirar para o território da canção, o que sempre chamaram, com ar de nojo, de "discurso", essa coisa com a qual foi construída toda a grande literatura universal, de Homero a Guimarães Rosa - reforça Bueno. - Podia até haver uma admiração mútua entre tropicalistas e concretistas, mas a afinidade estética era nenhuma. Eles eram a negação de qualquer oralidade, que é a base da canção.

A acusação não é inédita. É divertido ler hoje o que Caetano escreveu em 1980 sobre seu disco "Outras palavras": "Detesto um papo que ouvi de gente importante dizendo que a minha amizade com Augusto de Campos é um estratagema de poder cultural onde eu entro para divulgar a inviável vanguarda dos paulistas e Augusto para legitimar intelectualmente minha produção comercial e irresponsável. É o argumento da inveja e da paranoia de quem faz indústria de diversão para massas mas finge que escreve o poema definitivo porque no fundo deseja ser o imperador despótico (...). Augusto entendeu o que transo e entendeu bem cedo. O resto é conversa fiada".

Apesar de o debate não ser novo, Charles A. Perrone, professor de Literatura Brasileira da Universidade da Flórida e autor do livro "Letras e letras da MPB", vê atualidade nele:

- É um bom tema que não se esgota, pois aparecem artistas como Arnaldo Antunes e Cid Campos, poetas como Francisco Kaq e Amador Ribeiro Neto, críticos como Francisco Bosco e Guilherme Wisnik. Sobretudo, a internet e os recursos digitais permitem uma interminável compaginação de textos / arranjos visuais /tons-sons, novos e refeitos do passado - avalia por e-mail o teórico, que identifica sensacionalismo na declaração de Bueno. - O que foi afirmado desvia a atenção da tentativa de entendimento do fenômeno artístico para um lado político / sensacionalista meio cínico. Em todos os países, os artistas tendem a opinar a favor de outros artistas com interesses comuns. Nunca houve "convênio", houve foi mútua sacação artística.

Décio Pignatari, fundador do concretismo ao lado dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, também justifica a aproximação entre os dois grupos:

- A partir dos anos 1960, houve uma elevação de repertório na cultura brasileira. A música popular passou a ser muito ligada ao mundo universitário, o que permitiu essa aproximação com os concretistas. Tivemos, sim, a percepção de que os baianos traziam uma oportunidade de entrarmos novamente no debate. Mas nosso interesse por eles era real, e já tínhamos relação com artistas da música erudita de vanguarda, como Rogério Duprat, que depois vieram a se unir ao tropicalismo.

Poeta Alexei Bueno,
autor de Uma história da poesia brasileira.
Foto: Ivo Gonzalez.

Relação é anterior à música tropicalista - Para o editor Sergio Cohn, o grande erro da crítica de Bueno é exatamente ignorar que os dois grupos tiveram laços anteriores aos festivais e discos que consagraram o movimento:

- Rogério Duarte (artista gráfico, compositor e poeta) já freqüentava os concretos anos antes, assim como Hélio Oiticica e os artistas que faziam a nova música erudita, como Damiano Cozzella e Duprat. Os concretistas eram a favor da renovação, da invenção, fosse com os tropicalistas, fosse com o cinema marginal. O que Alexei fez foi uma tentativa pouco informada de ter uma posição radical.

Para o poeta Eucanaã Ferraz, organizador de "Letra só" (com letras de Caetano), Bueno acerta ao apontar os resultados práticos da relação. Mas peca pela irresponsabilidade.

- Os concretistas deram status para os tropicalistas, nisso Alexei está certo. Mas ele está errado em todo o resto. A poesia concreta foi importante demais para que seja tratada de maneira irresponsável. Alexei não é adversário à altura de Caetano e passa a ter uma dívida com ele, que lançou luz sobre um livro que não tem importância alguma.

O poeta Ferreira Gullar - artista que rompeu com os concretistas em 1959, ao fundar o neoconcretismo - concorda com Bueno no que se refere à distância entre os dois grupos.

- Eles realmente não combinam como atitude em face da arte. A objetividade e a racionalidade dos concretistas não têm nada a ver com a Tropicália. O que os aproxima, talvez, seja a ideia de vanguarda. Mas não imagino Augusto de Campos com aqueles cabelos de Gil e Caetano - brinca.

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