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Proust repudiava as frases feitas, o censo comum. Também não me agrada o que parece ser uma opinião pública. Ao me deparar com um consenso geral, tento logo cortar caminho, procuro outras veredas que levam a outra explicação. Falo de Pra mim chega – a biografia de Torquato Neto, que agora parece ganhar os louros que lhe são devidos. No período de menos de um ano, ganhou dois tomos de sua obra, Torquatália de Paulo Roberto Pires, e essa biografia narrada pelo jornalista Toninho Vaz. Mas eu falava era dos consensos, do primordial consenso que parece pautar as biografias e os tratados de história: o homem é produto do meio.
Parece ser inviável dissociar o homem de seu tempo, da época, do período político-sócio-cultural determinado pelo seu natalício e falecimento. E é seguindo essa linha, de não só traçar a história pessoal de Torquato Pereira de Araújo, neto (isso mesmo, com minúscula e vírgula), que Toninho Vaz conta também a história do desbunde cultural brasileiro que teve seu auge de 1964 a 1972. Refreando justamente com o suicídio, à gás num banheiro de apartamento na cidade maravilhosa, de Torquato Neto. Não morria naquela data, 10/11/1972, o compositor, jornalista e papa da Tropicália. Morria ali - assim como a morte de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix (a trilogia do J), representou para os “porras-loucas” de seus países - o mais emblemático ídolo dos “porras-loucas” brasileiros. Um jovem que erguia e desmoronava pilares, que com arguta inteligência transava todas, desde a formatação de um movimento estético-cultural, que foi a Tropicália, passando pela música (que devido ao fácil acesso é a paixão maior de todo jovem) e o jornalismo (outra paixão) e desaguando no cinema udigrudi, o que com uma super-8 na mão e sem uma idéia muito clara na cabeça, fazia-se cinema de primeira.
A biografia traz de polêmico a homossexualidade de Torquato, seu caso de vários anos com o piauiense Adherbal Tomas de Aquino e seu provável romance com Caetano Veloso. Revela também seu lado drogueiro. Torquato Neto era grande consumidor de entorpecentes: fumava maconha diariamente, bebia em demasia e tomava ácido. Toninho não reproduz esse texto na biografia, mas há no livro Os Últimos Dias de Paupéria, uma passagem dos textos que Torquato escreveu nos sanatórios, os quais ele chamava Engenho de Dentro, onde ele revela uma “experiência” com L.S.D; que constou no uso diário de L.S.D por mais de um mês. Aqui voltamos ao chavão: o homem é produto do meio e etcétera. Torquato fazia uma “experiência” perigosa, na mesma época, muito provavelmente influenciado pelo próprio, em que o psicólogo Timothy Leary fazia o mesmo. É fácil pensar que cultura e abuso de drogas eram indissociáveis nos anos em que a contracultura montava suas bases. Capinam até se sentia descriminado, naquela época, por ser careta.
Busco um outro caminho e me arrisco a intuir que por mais bem feita, honesta e necessária essa biografia do Torquato, ficou, em alguns capítulos, por demais datada. Senti falta de maiores depoimentos da família. Devo confessar que sou bom amigo do pai de Torquato, Dr. Heli da Rocha Nunes, falecido a 27 de setembro de 2010. E cheguei a ouvir de Heli, que seu filho, já nas últimas, confessara a ele que não conseguia se libertar do vício da droga, que queria muito, mas não conseguia. Relato isso porque, na biografia, Torquato parece ter passado pelos sanatórios em busca de se curar de algum problema mental. Não acredito nisso. Ele até poderia ter algum distúrbio, mas que se agravou, consideravelmente, por conta do uso abusivo de drogas. Pra mim, Torquato morreu agarrado a sua bandeira, como aconteceu com a trilogia do J. Recusava a encarar um mundo careta. No fundo ele sabia que se continuasse acabaria tendo que achar Peninha o máximo ou num cargo do Ministério da Cultura, que de Cultura só tem a “fachada”. Torquato procurou os sanatórios para tratar de sua dependência química, não de uma possível esquizofrenia. E é aqui que mora o equívoco: a droga não é e jamais será característica de geração alguma. Ela é sempre uma postura individual. Foi assim com a geração anterior à de Torquato. No Brasil podemos citar Assis Valente, que se suicidou na terceira tentativa, ingerindo formicida e se atirando do Corcovado e Vicente Celestino (esse participando de um programa tropicalista se escandalizou com uma cena onde os tropicalistas faziam da banana a hóstia sagrada - em referência à Santa Ceia. Saiu irritado da gravação para morrer horas depois num quarto de hotel, literalmente, do coração) que não conseguia parar de beber. Fora do país cito Billy Holiday, Charlie Parker e Elvis Presley. Da geração seguinte: Raul Seixas, Cazuza, Renato Russo e Elis Regina, que embora tenha começado a gravar quando Torquato ainda vivia, inclusive gravando o próprio, só veio se firmar anos depois. Fora do Brasil: o emblemático Kurt Cobain.
Estive com o autor da biografia de Torquato, o Toninho Vaz, aqui em Fortaleza, conversamos bastante, e eu lhe dei meu livro BINGO! e a primeira edição da revista Arraia Pajéurbe, que traz como destaque uma grande e curiosa entrevista com o pai de Torquato, o já citado Heli da Rocha Nunes. Essa primeira edição da revista é de nov/dez de 2000. A entrevista, apesar de algumas dissonâncias, foi um marco importante após a morte de Torquato. E que não foi citada na relação de acontecimentos importantes que traz o livro de Toninho Vaz. Outra ausência significativa da listagem foi a publicação de Explicação do Fato. Longo, e talvez o mais elaborado poema de Torquato Neto. Publicado pela primeira vez na revista literária piauiense Pulsar, editada por Paulo Machado, em 1999. Aliás, Toninho Vaz, foi extremamente feliz ao publicar Explicação do Fato nessa biografia. Não se importando com o tamanho do poema e se mostrando entendedor de boa poesia. O mesmo não aconteceu com Torquatália lançado há alguns meses; há ausência desse poema talvez seja a maior lacuna dessa antologia. Brindamos os leitores do Vaia com a reprodução do poema em questão.
O que mais poderia acrescentar a uma obra tão completa como essa biografia? Lembro-me de uma historinha me contada pela própria Olga Savary, esposa do Jaguar naquela época, quando essa esteve aqui em Fortaleza em 2001: que o Torquato, enfurecido, na redação de O Pasquim, deu um forte empurrão em seu marido, o que resultou na fratura de uma perna do Jaguar. Esse era o Torquato Neto, o piauiense que não levava desaforo de ninguém e que cobrava explicações não só do fato, em alusão ao poema aqui reproduzido – e que na biografia não é revelado o título, é provável que Toninho não tenha tido acesso a revista Pulsar nº1, de 1999 -, mas também da coisa, de qualquer coisa que cheirasse a vanguarda. Torquato trabalhou desde a adolescência num livro de poesia intitulado de O Fato e a Coisa.
Tenho também uma carta do jornalista e musicólogo, Ary Vasconcelos (a mim endereçada em abril de 2000); onde me conta do seu encontro com Torquato Neto: Ary era jornalista musical da famosa revista O Cruzeiro, quando Torquato, em visita à redação da revista, se depara com ele e os dois conversam bastante sobre música. Na carta, Ary me fala que era visível a genialidade de Torquato. O musicista Ary Vasconcelos foi responsável por vários dos textos da coleção MPB, da editora Abril que nos 80’s era comercializada nas bancas de revista. Essa afamada coleção ajudou a cunhar de vez a sigla MPB.
Essa minha matéria busca ajudar no perfil do homem, acima do mito, Torquato Neto; que optou, em vida, encurtar sua biografia. Pra mim chega, agora em alusão ao título do Toninho, dessa ladainha do poeta que morre jovem, buscando a consagração antes das rugas. O que o Torquato quis foi dar as pistas para a maturidade de sua geração – a qual sem o seu suicídio jamais pararia pra uma prova dos nove -, amadurecer com ela. Lendo essa biografia do Toninho Vaz, sinto o Torquato, um senhor de 68 anos, ao meu lado.
CLÁUDIO PORTELLA (Fortaleza / 1972). È autor de BINGO! (2004). Publicado pela editora portuguesa Palavra em Mutação. Possui trabalhos publicados na revista Caros Amigos, no jornal Rascunho, no Suplemento Literário de Minas Gerais, na revista internacional de poesia Dimensão, na revista portuguesa Palavra em Mutação, no jornal Diário do Nordeste e O Povo. Colaborou do jornal O Globo e Jornal do Brasil. Na Internet, seus textos proliferam em saites como: Capitu (SP) (Foi colunista do saite), Germina (MG & SP), Paralelos (RJ), Patife (MG) e Jornal de Poesia (CE). Poemas seus foram traduzidos para o inglês, para o espanhol e italiano. Em 2002, ganhou com Predileções em carma vivo o concurso de conto da UBENY (União Brasileira de Escritores em Nova York). Participou do júri do Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, por quatro anos seguidos, 2001-2004. Foi co-editor da revista Arraia Pajéurbe (FUNCET – Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2000-2004).
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