foto: Maurício Pokemon
Poeta e historiador nascido em Teresina, Demetrios Galvão lançou no final de 2011 sua mais recente obra, o livro de poemas Insólito. É sobre sua poesia insólita e outras contravenções que segue a conversa.
Adriano Lobão Aragão - Por que Insólito? Demetrios Galvão - Gosto da palavra insólito primeiramente por sua sonoridade – breve, encorpada; segundo, porque a própria palavra realiza o seu significado e produz uma imagem bastante interessante, além do que é uma palavra pouco usada, o que lhe dá um ar vigoroso e ao mesmo tempo misterioso; terceiro, pela coincidência de já existir no conjunto dos poemas do livro um texto intitulado “insólito”, que funciona como se fosse um verbete, é um poema que começa assim “insólito: carregar cemitérios e ferrugens nos bolsos...”. Dá a impressão que o poema constrói o significado da palavra. Assim, é como se o poema produzisse novos sentidos para a palavra “insólito”, mas ao mesmo tempo, dialogando com o significado dela que quer dizer, na acepção do dicionário, “o incomum, o não habitual, o estranho”; por último, que o significado de “insólito” diz muito sobre a minha construção poética – a produção de imagens não habituais, estranhas. Pois me debruço sobre a criação de imagens-poéticas que foge do corriqueiro em um diálogo direto com as estratégias surrealistas de transfiguração do real. Então, faço o estranho virar a experiência do estranhamento, essa é uma das propostas do livro, como bem aponta o poeta Rubervam Du Nascimento na apresentação do livro.
Adriano - Trata-se de uma busca pela desautomatização da palavra? Sei bem que os textos criam imagens e que as imagens também produzem textos. Mas no meu caso as imagens ocupam um lugar central e o meu esforço é em produzir imagens não habituais, através de um trabalho de deslocamento, de tirar as coisas que comumente tem lugar certo, estabelecido na prateleira cartesiana – nomeado, classificado, selecionado,... Dito isso, o estranhamento que procuro criar resulta de um trabalho de curto-circuito na linguagem – junção de mundos distantes para a feitura de um outro. Tento mobilizar a linguagem não para a realização do óbvio ou do “realista”, isso não me interessa. Mas pelo contrário, para transfigurar essa “realidade” e inventar outros mundos através da linguagem.
Adriano - Em que aspectos a poesia de Insólito se diferencia de Cavalo de Tróia (2001) e Fractais Semióticos (2005)? Cavalo de Tróia é um livro em que a mensagem é mais forte que a linguagem em si, no caso, a poesia era só o meio. A escrita, na época, estava engajada com questões sociais, protestos, movimento Anarco-punk e poesia marginal. Esse foi um livro completamente artesanal, que eu fazia em casa com a ajuda do meu irmão e vendia em shows de rock, na universidade e em encontros de estudantes. Fractais Semióticos é um diálogo muito direto com os escritos beats, aquelas coisas de viajar e escrever sobre a estrada etc. Nesse livro, começa a existir uma preocupação com a linguagem. No período em que escrevi os poemas de Fractais Semióticos (2001 – 2002), conheci alguns poetas de Fortaleza e consolidei para mim, a ideia de ser poeta. Esse é um livro que tem poemas que vou levar para o resto da vida, pois há uma relação forte de poesia e experiência – experimentação. Insólito é algo que considero mais denso. Nesse momento, me preocupo bem mais com a linguagem e com as estratégias de criação, e o meu diálogo se torna mais próximo com o surrealismo. Insólito é um investimento poético-estético planejado. Mas em todos os meus livros, estou muito implicado nos textos, a primeira pessoa é presente – há um sujeito produzindo ações, há um envolvimento no campo das emoções. O percurso que se desenha é de uma maior compreensão do papel da linguagem, articulando intensidade e o fluxo espontâneo.
Adriano - Então, poesia e vida são indissociáveis? Na minha produção, poesia e vida estão intimamente relacionadas. Procuro articular a experiência (vida) e o experimento (linguagem), a intensidade das ações e do desejo e a densidade construída na/pela linguagem. É como digo em um de meus poemas: “é preciso alimentar a loucura que carregamos na mochila”, e esse alimento é o campo do sensível a que estou inserido: são as imagens cotidianas que me atravessam, são as linguagens artísticas que consumo, é a minha companheira, são os meus gatos, os peixes, o cheiro do café – logo as questões que envolvem vida e linguagem criam um campo de comunicação e ressonâncias que resultam em uma costura íntima entre vida e poesia – poesia/viva. Interessa-me essa contaminação ente os campos, até porque são indissociáveis. Nessa primeira década dos 2000 ficou muito em evidência um modo de fazer poesia em que o sujeito e o sentimento foram retirados do texto, resultando em um artefato insípido – terrivelmente limpo, sem rugas, sem ruídos, na qual a única marca humana é a própria linguagem. Não me atrai essa poesia em que a linguagem se torna um fim em si mesmo, onde o texto poético parece mais uma charada sem resposta – hermética demais.
Adriano - Há diversas sinestesias, assim como referências musicais e até mesmo astrológicas. Como esses aspectos influenciam vida e poesia? Interessante como tudo que está à nossa volta se torna material para poesia. As sinestesias que você menciona são inevitáveis em meus poemas, pois o que me atravessa e interfere na minha percepção sensorial termina ocupando um lugar no momento em que escrevo. As cores, os sabores e os cheiros são mencionados constantemente, como por exemplo: “sinto o cheiro de teus movimentos coloridos violando minhas brânquias”, ou então “tua alma de planta ornamental tem gosto azulado”. Mas as experiências sensoriais são (re)produzidas poeticamente de forma atravessada, deslocando suas correspondências originais. Com relação às referências citadas dentro dos meus textos, elas são muitas e diversas principalmente no que diz respeito à música. Sou uma pessoa que se movimenta pela música, por trilhas sonoras e, desse modo, a música e a atitude de algumas bandas e estilos musicais influenciam muito minha escrita como, por exemplo: The Doors, Velvet Underground, Radiohead, Elliot Smith, Tom Zé, Afrossambas, Nação Zumbi, percussão de terreiro e por aí vai. Escrevo na maioria das vezes, mas nem sempre, no ritmo do rock e imaginando os quadros de Chagal, as fotografias de Brassaï, as pinturas de Basquiat e automaticamente entremeando com os acontecimentos do meu cotidiano e da minha vida. Utilizo as referências da música, da pintura e do cinema para compor uma teia semântica em que uma área empresta sentido a outra e assim embaralho as coisas produzindo imagens insólitas – “como peixes cegos vagamos por cidades esquecidas e praças ensolaradas que Pollock desmantelava com seu pincel de canivetes”. Certa vez, o poeta Roberto Piva disse em uma entrevista que “uma poesia sem música, sem jogo de cintura, é uma poesia rígida”, e ele tem toda razão. Nessa dança de salão ou de terreiro é o som que mistura os elementos da alquimia do verbo.
Adriano - Como está sendo a repercussão do Insólito? Ainda é cedo para avaliar, porque o lançamento ainda está recente. As ressonâncias de um livro de poemas demoram a acontecer. Penso que é no decorrer de 2012 que Insólito vai criar seus caminhos. No início de fevereiro vou fazer uns 2 lançamentos em Fortaleza e depois em Pedro II – com o tempo ele vai se espalhar e ganhar os seus leitores. Mas de todo modo, tenho ouvido coisas boas e espero que as pessoas gostem do livro.
Adriano - Você faz parte do grupo literário Academia Onírica. Como se dá esse convívio artístico em relação à sua produção literária? Tem sido muito importante o exercício de trabalhar em coletivo, pois a Academia Onírica é formada por 6 pessoas que articulam os eventos e os demais trabalhos (revista, cd, zine), contudo têm mais pessoas envolvidas nesse projeto (músicos, fotógrafos, artistas plásticos, videomakers, escritores) e o legal é que o debate em torno das linguagens artísticas é bastante amplo. Essa teia que a AO vem construíndo desde janeiro de 2010 tem proporcionado para todos nós uma maior circulação e visibilidade de nossos trabalhos coletivos e individuais. Interessante que depois que formamos o grupo, todos foram mais instigados a escrever e logo a produção de aumentou, bem como o nosso diálogo ficou mais próximo, passamos a contribuir um com o outro de modo íntimo. Às vezes escrevo um poema e mostro para o Thiago E ou o Valadares e eles dão alguma ideia e as coisas seguem. O contrário também acontece. Alguns detalhes de Insólito foram pensados dentro desse contexto e até mesmo o lançamento, que aconteceu com um recital e a participação dos amigos da AO.
Fonte: Adriano Lobão.
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