Cunha e Silva - da Academia Piauiense de Letras.
As três cidades que amou por igual: Amarante, Teresina e Rio de Janeiro. Está sepultado na primeira desde 1990. Não tem lápide, não tem sepultura de luxo nem tem epitáfio. Apenas ali, em meio à grama que cresce, se encontram seus restos mortais. Ele é de 1905, conforme ele mesmo me confessou em vida -, embora algumas notas biográficas de dicionários e histórias literárias piauienses registrem a data de nascimento em 3 de agosto de 1904. No Arquivo de ex-alunos do Colégio Salesiano Santa Rosa, em Niterói, estado do Rio de Janeiro, no qual ingressou como aluno em 1920, consta, porém, que o nascimento dele, segundo os documentos apresentados ao famoso educandário, traz a data de 1904. Ficam, pois, a minha há dúvida e a alegação do testemunho que me deu quando completara 80 anos.
Resolverei em parte esta dúvida quando consultar os registros de nascimento em Amarante.
Amarante.
Só vim a ter essa dúvida porque, pensando que tivera completado 80 anos, lhe fizera, sem o avisar, um longo artigo homenageando-lhe os oitenta anos, i.e., em 1984. O artigo, publicado no extinto jornal “Estado do Piauí’, de Teresina, do editor Josípio Lustosa, tinha por título o seguinte: “Cunha e Silva :80 anos.” Dias depois, recebo carta de papai, na qual me apontava o erro de data de nascimento: “Meu filho, eu sou de 1905.” Contudo, não me dera maiores explicações para essa questão. Homenageado fora por antecipação de um ano. Vá lá. O importante era a minha intenção.
A meu pai estive muito ligado dentro e fora de casa, já que fora meu professor de francês durante três anos no Domício, nome pelo qual era conhecido um antigo colégio particular de Teresina, o Ginásio “ Des. Antonio Costa”, dos irmãos Magalhães, Francisco Melo Magalhães e Domício Melo Magalhães, grandes educadores que fizeram história.
Quando pequeno, papai sempre me encarregava de buscar as provas de artigo, na época em que escrevia para o jornal O Dia, de Raimundo Leão Monteiro, conhecido como Mundico Santídio, de apelido Mão de Paca. As “provas de artigos” eram para meu pai fazer a revisão, pois sempre escapava um erro do linotipista e meu pai era exigente em questões de revisão. Lia cuidadosamente o artigo já impresso. Fazia um sinal em v inter-palavras e acrescentava as correções a tinta. Não me lembro agora se, no mesmo dia da correção, eu voltava para a redação. Papai, em casa, me falava de Mundico Santídio, o Mão de Paca, que tinha um defeito num dos braços. Era um senhor gordo, baixo, calvo, claro. Dele me contava papai que, na mocidade, fora bem apessoado. Só depois de uma doença perdera a antiga boa aparência. Tinha passado um tempo na Alemanha. Não sei com que propósito. Parecia ser um homem inteligente e sério. Sempre me tratara bem. Muitas vezes, pequeno, fui à redação de O Dia apanhar as saudosas “provas de artigos’, como costumava chamar papai.
Grande jornalista político, Cunha e Silva, nome literário com o qual assinava seus numerosos artigos, talvez tenha sido no Piauí, no seu tempo, o jornalista que maior quantidade de artigos escreveu em jornais.
A. Tito Filho - da Academia Piauiense de Letras.
Na época em que eu já era adolescente, ele se indispôs com o professor, jornalista e cronista A. Tito Filho e com este travou uma polêmica acirrada de parte a parte, mas meu pai, no terceiro artigo contra o adversário, encerrou a polêmica, porquanto A. Tito Filho não aguentou o talento de exímio esgrimista e a veia satírica e demolidora de papai. Se não me engano, a polêmica foi publicada, de parte a parte, no mesmo jornal, acho que nO Dia. Os leitores, ex-alunos de um e de outro, acompanhavam com ansiedade o que um dizia em detrimento do outro. Na minha rua, a Arlindo Nogueira, havia umas jovens que tinham sido alunas do A. Tito Filho - que os alunos chamavam de Arimathéa ou professor Arimathéa. -, as quais eram fãs dele. Eu, de minha parte, torcia pelo nocaute de A. Tito Filho e saía exaltado em defesa de papai.
Ora, para defender papai não havia ninguém melhor do que eu, que mesmo cheguei a me intrigar com um vizinho de outra rua próxima, a São Pedro, outro admirador do professor. Arimathéa. Para mim, papai era o melhor, o mais duro nas verrinas, um pulverizador implacável do seu êmulo. Papai tinha mais preparo geral, memória portentosa, conhecia latim, francês, italiano, uma boa base de inglês, filosofia, história universal, geografia, imensa leitura do que havia de melhor em autores literários. Alem isso, tinha uma sólida leitura em temas sociais e políticos, o que muito o ajudava a se tornar um jornalista bem equipado em vários eixos do conhecimento humano. Até em matemática fora bom. Apreciava todas as ciências, tinha o progresso em altíssima conta, leitor incansável , a ponto de um sobrinho dele uma vez me dizer: “Meu tio Chiquinho (nome carinhoso entre os familiares), sempre que o ia visitar em casa, adivinhe como eu o encontrava: lendo!” Essa era a imagem que tinha de meu pai.
Cunha e Silva - jornalista do bom combate.
Todos esses registros e anotações sobre meu pai me vêm à baila em decorrência de três estudantes do Piauí, dois estão fazendo o mestrado na UFPI, uma na área de História, outro na de educação e uma outra também em história, em trabalhos de monografia. Todos me procuraram a fim de obterem informações e material sobre Cunha e Silva. A todos tenho atendido com alegria e gratidão dentro de minhas possibilidades de recursos materiais que guardo de meu pai.. Não mais posso oferecer a esses pesquisadores porque não tenho toda a sua produção jornalística , só uma pequena parte, que venho guardando ao longo de vários anos e que compreendem sobretudo recortes de artigos de jornais das décadas de sessenta ao final da década de oitenta. Além disso, disponho de um bom número de poemas, a maioria deles na forma de soneto. De sua obra publicada tenho a tese dele – defendida - para professor catedrático de história do Brasil da Escola normal Antonino Freire, A odisséia do cativeiro no Brasil (Teresina, Imprensa Oficial, 1952, 60 p.), uma outra tese, O papel de Floriano Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República (1957), apresentada à cátedra de História do Brasil do Liceu Piauiense (Colégio Estadual “Zacarias Góis”), que acredito não foi defendida, A república dos mendigos (novela), publicada no Rio de Janeiro, em 1984,135 p. pela Folha Carioca Editora Ltda, com orelhas e brevíssima apresentação deste colunista, Copa e cozinha (Academia Piauiense de Letras / Projeto Petrônio Portella, Teresina, 127 p.), sátira política local, memorialismo, e ensaios políticos. Dele ainda há um livro, até hoje, inédito, de título Gatos de palácio, igualmente uma sátira da política local.
O espólio do grosso da produção de meu pai em jornais e revistas por ele reunido em décadas de atividade na imprensa, constava de pelo menos dois ou três caixotes de papelão. Por descuido e falta de empenho de meus irmãos, parece que foi perdido, o que é de se lamentar profundamente agora que alguns jovens pesquisadores piauienses, certamente orientados por seus professores, recomendaram estudos sobre meu pai e com isso aquele arquivo pessoal seguramente teria muitíssimo a abreviar o trabalho exaustivo que é o de se debruçar sobre velhos e poeirentos jornais da Biblioteca Pública do Piauí e do Arquivo Público. Confesso, leitor, eu era o fiel e rigoroso “warder” dos livros de meu pai. Conhecia todos os que compunham duas estantes antigas, com obras valiosas de literatura universal, livros de gramática, excelentes dicionários em três línguas, história, filosofia, literatura, política, sociologia, livros didáticos de grandes autores do passado etc.
Wilson Brandão, R. N. Monteiro Santa, José Lopes dos Santos, Nerinha Castelo Branco, Alberto Silva, A. Tito Filho (então presidente da Academia Piauiense de Letras), Clidenor de Freitas Santos, Josias Clarence Carneiro da Silva (em pé). João Gabriel Batista, Austragésilo de Athayde (então presidente da Academia Brasileira de Letras) e Cunha e Silva.
O professor Cunha de Silva, o acadêmico imortal da APL, o jornalista político, o poeta, o contista (ele fez alguns contos), o bom resenhista de livros, o orador, o polemista, o educador e o homem de coragem que sempre foi, o bom pai, bom avô, o bom amigo, o amigo dos seus incontáveis alunos, tanto em Amarante, quanto em Teresina, conquistou um nome consagrado na vida intelectual do Piauí. Ele morreu sem saber que a sua obra e o seu exemplo de escritor, vinte anos depois, seriam recuperados e reconhecidos dentro dos muros da universidade que, através de alguns estudiosos, estão situando-o no destacado lugar que o valor de sua obra sempre mereceu. A posteridade, finalmente, lhe está fazendo justiça. Que seu valor e sua lembrança perdurem para sempre.
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